Arte Indígena
A Arte Indígena brasileira é extremamente diversa. Os indígenas, que também são chamados de Povos Originários brasileiros, são os primeiros habitantes dessa terra que hoje chamamos de Brasil. São aqueles que já estavam aqui antes da chegada de todos os outros povos.
Apesar da sua importância e do seu inegável direito a essa terra, a história dos Povos Originários foi marcada por tortura, apagamento e genocídio após o contato com os povos da Europa. Estima-se que a população de indígenas em solo brasileiro no momento de contato com os primeiros europeus era maior do que 5 milhões de pessoas. Algumas fontes relatam que havia ainda mais do que isso. No entanto, de acordo com o CENSO do IBGE em 2022, temos hoje cerca de 1.693.535 pessoas indígenas. O que corresponde a cerca de 0,83% da população.
Uma conta que não fecha
Essa perda de população vai contra as tendências mundiais, nas quais as populações cresceram ao longo de todo o mundo por conta das mudanças tecnológicas. Quais fatores são responsáveis por essa diminuição tão grande dos indígenas?
Um dos motivos são as invasões, as mortes e as violências às quais esses povos foram submetidos. A tomada da terra pelos europeus se deu de muitos modos, fosse o conflito direto, fosse espalhando doença. Pelo extrativismo e descuido com a terra, pelo sequestro e uso da força para converter e fazer com que os indígenas aceitassem à força uma cultura que não era deles.
Além das muitas vidas perdidas, o que por si só é mais do que suficiente, temos também uma perda muito grande de grupos inteiros que desapareceram. Estima-se que no Brasil existiam mais de 1500 diferentes grupos, diferentes povos indígenas, com cerca de 1200 idiomas diferentes. Hoje temos, de acordo com o IBGE e o PIB Socioambiental, 279 povos e 150 idiomas, uma redução drástica. Idiomas e costumes que foram reprimidos. Objetos roubados. Arte indígena apagada.
O manto Tupinambá recuperado – Arte Indígena no Brasil
Assojaba ou Guara-abucu são mantos emplumados que foram confeccionados pelos povos Tupinambá nos séculos XVI e XVII. Esses mantos tinham um propósito para os povos Tupinambás, eram usados em rituais religiosos e cerimônias por lideranças indígenas. Já eram usados antes mesmo da chegada dos portugueses, sendo uma prática ancestral desse povo.
Há onze exemplares desse tipo de manto no mundo. Com as ocupações europeias, todos foram levados para museus fora do Brasil. O que é uma prática comum – e absurda – dos museus europeus com objetos importantes de povos do mundo todo. Até julho de 2024, todos eles estavam na Europa, não havia nenhum exemplar no Brasil. No entanto, graças a muitos esforços, o Museu da Dinamarca devolveu um desses mantos e ele está no Museu Nacional na UFRJ, estado do Rio de Janeiro.
Os Tupinambás eram um povo extremamente numeroso, estavam presentes principalmente na área costeira do Nordeste brasileiro. Hoje, os Tupinambás são um grupo que foi praticamente dizimado. Há, no entanto, na cidade de Olivença, litoral sul da Bahia, um grupo de indígena que é chamado de Tupinambás de Olivença. É um grupo que, por ser formado também por muitas pessoas miscigenadas e ter passado por muita convivência com o mundo não indígena, teve a sua identidade indígena negada pelas autoridades por um tempo. No entanto, recuperou a sua identidade e resiste carregando o legado desse povo indígena.
Distribuição da população indígena pelo país
Embora exista uma maior concentração de povos indígenas na Região Norte do país, a presença dos povos originários está em todas as regiões do Brasil. E em toda a sua diversidade. Temos cerca de 44% de indígenas na região Norte do país, 31% na região Nordeste, cerca de 12% na região Centro-Oeste, 8% na região Sudeste e 5% na região Sul.
O trabalho e a pesquisa de hoje têm como objetivo entender que a questão indígena não é dispensável em nenhuma região do país, porque em todas elas eles estão presentes. Será apresentado um povo originário em cada uma das macrorregiões brasileiras. Além disso, haverá também alguns temas pertinentes a cada um desses povos. E alguns dos seus trabalhos de arte. Vendo um pouco sobre cada um, entendendo um pouco sobre cada um, podemos entender também a diversidade que existe entre esses povos. A riqueza que existe nessas diferenças. E a luta de cada um.
Povos originários na Região Norte – Arte Indígena Wajãpi

O grupo Wajapi está localizado na área do estado do Amapá e também em uma parte da Guiana Francesa. Mas já viveram na área do Xingu, no entanto, num momento anterior. Também são conhecidos e citados em livros do século XVII como Guaiapi. Pertence à raiz lingüística Tupi Guarani. Sua linguagem gráfica é chamada de KUSIWA, e sintetiza seu modo de pensar e de agir no universo. Esses padrões decoram tanto os objetos produzidos como também os corpos das pessoas. Esses padrões são reconhecidos pelos membros dessa comunidade, e possuem alguns elementos que se repetem.
A aplicação de padrões gráficos no corpo não apresenta relação com categoria, com status social dentro do povo. No entanto, o material usado para a pintura, como urucum, jenipapo ou resina, pode variar de acordo com o momento da vida da pessoa. Por exemplo, durante resguardo, de luto ou doença, evita-se decorar o corpo com jenipapo ou laca.
Cada tinta tem um tipo de uso. Tinta de urucum, resina de cheiro e padrões gráficos aplicados com jenipapo criam desenhos corporais que têm a ver com a pessoa e o mundo a sua volta. Com o corpo coberto de urucum e exalando o cheiro forte dessa tinta, ela está protegida de uma aproximação perigosa dos espíritos da floresta. Por esse motivo, os pajés evitam se revestir de urucum, o que afastaria os espíritos com os quais eles podem manter comunicação.
Povos Originários no Nordeste – Arte Indígena Pataxó

Os Pataxó vivem ao longo do sul da Bahia e em partes de Minas Gerais. Há evidências de que a aldeia de Barra Velha existe há quase dois séculos e meio, desde 1767. Apesar do intenso contato com não indígenas, e do uso da língua portuguesa entre eles, os Pataxós têm lutado para preservar o seu idioma, o Patxohã, que significa “língua do guerreiro Pataxó”. Muitos esforços têm sido feitos para reconstruir com os registros feitos por cronistas e viajantes. As escolas indígenas também têm se mostrado um polo importante para o desenvolvimento e recuperação desse patrimônio imaterial tão importante, o idioma.
A língua dos Pataxós faz parte do tronco linguístico Macro-Jê, e da família linguística Maxakalí. Pataxó significa “barulho das águas”, ou “A água da chuva batendo na terra, nas pedras, e indo embora para o rio e o mar”.
A pintura corporal, para os Pataxós, representa parte da história, dos sentimentos do cotidiano, os bens e o sagrado. Há pinturas para o rosto, braços, costas e pernas, e também há as específicas para homens, mulheres e crianças. Os padrões desses desenhos são diversos em tamanhos e significados, e servem como comunicação entre os membros da aldeia. Como um código que apenas quem conhece pode entender.
Enquanto os casados usam pinturas simples, que não chamam atenção, os solteiros usam desenhos mais chamativos e sedutores. Também há uma diferença de material de pintura e de desenho quando se está em luta, ou em luto.
Os materiais para as tintas podem ser jenipapo, urucum, carvão, barro vermelho e barro branco. Ou seja, as cores preto, branco e vermelho.
Povos originários no Centro Oeste – Arte Indígena Kadiweu

Localizados no Mato Grosso do Sul, os Kadiwéu estão localizados nas proximidades do pantanal matogrossense, perto dos rios Paraguai e Nabileque, perto da fronteira com o Paraguai. São conhecidos como “os índios cavaleiros”, e lutaram do lado do Brasil na Guerra do Paraguai. Por esse motivo tiveram suas terras reconhecidas. Sua língua vem da raiz linguística Guaikurú, e são sobreviventes dos Mbayá.
Seus desenhos estão presentes tanto na pintura corporal como na cerâmica. No passado, a pintura corporal marcava a diferença entre nobres, guerreiros e cativos. Hoje, a pintura não necessariamente tem essa mesma função. Apesar de haver uma memória iconográfica e uma relação de identidade entre os gráficos que é compartilhada entre as artistas do povo, há uma rigidez menor em relação a utilização desses desenhos. O aprendizado das técnicas artesanais, do conjunto de padrões decorativos, da noção de simetria dos desenhos desde cedo por essas artistas contruibui para a preservação de um “estilo Kadiweu”.
Hoje a produção de cerâmica entre os Kadiweu está voltada para o comércio, que é um elemento importante da sua economia. A confecção das peças segue técnicas tradicionais, no caso a junção de roletes (“cobrinhas”) de barro moldados com a concha de uma colher para dar forma. Na cerâmica, as principais cores são o preto, o vermelho, o amarelo e o rosa. O amarelo e o rosa são extraídos de pedras (mica).
Povos originários no Sudeste – Arte Indígena Guarani-Mbyá

Os Mbyá são um dos três subgrupos dos Guarani. Estão espalhados por muitos estados e mesmo outros países. Podem ser localizados no Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Tocantins, Pará, Argentina, Uruguai e Paraguai. É um grupo bastante numeroso, e como vemos, está presente na região Sul, na Região Sudeste, na Região Norte e em três outros países.
Fazem parte da família linguística Tupi Guarani. No Paraguai, inclusive, o Guarani é um dos idiomas oficiais. A implementação de escolas indígenas bilíngües, no Brasil, ajuda na preservação e na difusão do idioma. E, sendo assim, em uma parte da cultura desse povo. Além da linguagem usual (ayvu), os Mbyá possuem também uma linguagem ritual, o ayvu porã, que pode ser traduzido por “belas palavras”. Que são reveladas pelas divindades aos dirigentes espirituais e ditas em ocasiões especiais.
Por conta de especulação imobiliária e dinheiro, as terras desses indígenas não têm tido um processo de demarcação fácil ou seguro. Especialmente nas faixas litorâneas.
O grafismo do povo Mbyá está presente principalmente na forma dos Ajakás, ou seja, das cestas. Esse termo, ajaká pará, é usado para referir-se ao oceano, “o grande contraste” ou para guaxu, simbolizando o jogo de cores entre a água escura e os reflexos da luz. Essas cestas são feitas pelo processo de trança de palha, em taquara, e recebe tramas ou desenhos geométricos. O grafismo da cestaria está carregado de representações simbólicas relacionados com a natureza e com o sagrado.
Esses padrões podem ser encontrados também pintados nas fachadas de casas, como fotografado em São Paulo e São Vicente e mostrado pela revista de antropologia e arte da Unicamp.
Povos originários do Sul – Arte Indígena Kaingang

Os Kaingang, que se autodenominam Kanhgág, estão nos três estados da Região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e também no estado de São Paulo. Por estarem distribuídos em quatro estados, há diferentes condições entre as comunidades desse mesmo povo. São descendentes dos Guayanás, fazem parte do tronco linguístico Macro Jê, à família Jê.
A sociedade Kaingang é fundada por dois pais ancestrais, Kamê e Kairu, que são opostos e complementares. E, com isso, essa divisão acaba criando uma divisão no próprio povo, sendo alguns membros creditados como descendentes de Kamê, e outros de Kairu. Essa dualidade marcará toda a cultura Kaingang.
Há um importante culto aos mortos entre os Kaingang, que é evidenciado pelo ritual do Kikikoi. Esse ritual obedece a uma série de ritos e regras. Devem ser pedidos e autorizados pelas famílias que perderam um membro no ano anterior, ou nos anos anteriores, e só acontece quando tem mortos dos dois lados. É comandado pelos xamãs, a quem os Kaingang chamam de Kuiã. Estes mostram conhecimento em relação à natureza, a cultura e o sobrenatural. E operam na intersecção, no junção dos três. Os kuiãs ocupam-se da cura, da propagação dos conhecimentos ancestrais e seu poder vem a partir do seu guia animal correspondente, que é conhecido a partir de um ritual do povo.
Enquanto as marcas corporais Kamé apresentam riscos retos e curvos, as marcas Kairú apresentam pontos e círculos.
A cestaria também é muito importante para os Kaingang. Enquanto nas pinturas corporais há o predomínio de um dos padrões Kamé ou Kairu, nas cestarias, muitas vezes eles aparecem combinados.
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Referências
VIDAL, Lux (org). Grafismo indígena: estudo de antropologia estética. Edusp: São Paulo, 2000.
SANTOS, Bruna K. O Trançado das casas: Um Estudo sobre os grafismos indígenas aplicados a construções em aldeias Guarani Mbya do Município de São Paulo. Dossiê Arte, Arquitetura e Design, Revista Antropologia e Arte da UNICAMP. 2019, São Paulo.
Guia do Professor – Artesanato Indígena. Kaingang & Guarani. Territórios Indígenas Região Sul. Comin. Editora Oikos.
BALLIVIÁN, José M. Palazuelos (Org.) Artesanato indígena: Kaingang & Guarani. São Leopoldo: Editora Oikos, 2012.
CONCEIÇÃO, Graziane A. e NASCIMENTO, Thiago B. – Pataxó de Barra Velha. UFMG, 2016.
POVO PATAXÓ. Inventario Cultural Pataxó:Tradições do povo Pataxó do Extremo Sul da Bahia. Bahia :Atxôhã/Instituto Tribos Jovens(ITJ), 2011.
https://pib.socioambiental.org/
Dossiê IPHAN: Wajapi – Expressão gráfica e oralidade entre os Wajãpi do Amapá.